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Seguidamente vemos nos
noticiários manchetes sobre violência contra professores ou sobre greves do
magistério por melhores salários e condições de trabalho. Frente a essa
realidade não há como negar que a profissão de professor enfrenta gigantesca
desvalorização.
Mas como chegamos a esse ponto?
Para tentar entender esse processo foram
elencados alguns tópicos que relatam de forma sistemática fatores e
apontamentos que sem dúvida contribuíram significativamente para que esse
preocupante quadro chegasse aonde chegou.
PERÍODO PÓS-DITADURA
MILITAR
Com o fim da ditadura militar no
Brasil (1985) uma série de transformações ocorreu. O povo, que há décadas sonhava
com o término da censura e da repreensão, agora queria “ser livre".
A partir daí a tão sonhada liberdade
já começava a extrapolar na sociedade como um todo, pois antes se podia quase
nada, e agora se podia quase tudo; leis e leis foram construídas tratando
apenas de direitos. Aqui cabe ressaltar que isso, na verdade, foi e é uma
conquista incontestável da sociedade brasileira, pois só quem viveu a ditadura
sabe o quão difícil era não poder expressar ideias e opiniões, entre outras
tantas restrições impostas pelo regime militar. Porém, o fato é que já naquele
momento começávamos a perder o controle da doce democracia, pois, ao invés de
termos liberdade com ordem, passamos a ter liberdade com desordem (aumento da corrupção,
do desrespeito as instituições sociais – deteriorização da família, da banalização
da criminalidade). Uma frase bastante utilizada na época dizia: “liberdade sem
limites”.
Nas escolas, até
então, imperava o modelo tradicional, bastante técnico e ainda rígido. Com esse
novo contexto sociopolítico, a figura de respeito do professor passou a perder
espaço, pois a liberdade sem limites ganhou tamanha proporção (distorção) que
já não era mais o mestre que detinha o domínio das ações em sala de aula, e sim
o estudante. Vários filmes, caricaturas e novelas passaram a mostrar cenas onde
o professor era visto ou como figura que dava medo, ou como figura de deboche,
muitas vezes humilhado pelos alunos, onde a ideia central era fazer com que o
estudante “desse uma lição” naquele ser tenebroso ou medíocre, e saísse como
mocinho, heroi da história.
A liberdade de
expressão e a pedagogia da autonomia eram importantes realidades que começavam
a surgir com destaque, no entanto, o medo de impor regras e restrições por
alusão ao período ditatorial fez com que a indisciplina escolar aumentasse de
forma bastante significativa.
LEIS QUE ABRANGEM
SOMENTE DIREITOS E QUE IGNORAM DEVERES
No início da década de 1990 o Brasil
passou a contar com uma lei excepcional no que se refere aos direitos das
crianças e dos adolescentes (ECA). Poucos países no mundo possuem, até hoje,
uma lei tão protetiva e respeitada quanto essa. Contudo, um detalhe nesta lei chama
muito a atenção: onde estão os deveres das crianças e dos adolescentes? Esse
fato desencadeou uma série de consequências negativas, tanto para a sociedade
quanto para os próprios jovens.
As instituições escolares, diante
dessa nova legislação, precisaram rever seus regimentos e praticamente
excluíram os dispositivos que tratavam de advertências, suspensões e punições
aos alunos. O professor, e a escola como um todo, passaram a ser praticamente
obrigados a atender qualquer estudante, independentemente se houvesse cometido
alguma infração – grave ou não. Nesta etapa o docente acabou perdendo mais uma
vez seu espaço de respeito que outrora era inabalado, pois ficou contra a
parede por uma legislação que só deu direitos aos estudantes; se um estudante
ofender o professor, ou mesmo agredi-lo, praticamente não acontece nada;
outrem, uma palavra mais ríspida do educador ou mesmo uma ordem dada pode motivar
sérios transtornos ao mesmo. Os pais também foram atingidos com a nova
realidade e muitos se depararam com situações conflitantes, como por exemplo, a
polêmica da palmada.
AS CONDIÇÕES DO
ESTADO OBRIGARAM OS PROFESSORES A PÔR DE LADO SEUS PRECEITOS
Os indicadores escolares passaram a
valer dinheiro. Aluno reprovado ou evadido é sinônimo de perda de repasse de
recursos. Mais uma vez o professor perdeu credibilidade, pois antigamente o
aluno tinha duas alternativas: ou estudava ou era reprovado. Professor exigente
era sinônimo de respeito. Hoje existe pressão sobre o professor que reprova,
mesmo que o aluno não tenha atingido os objetivos propostos; essa pressão se
deve ao fato de que o estado brasileiro precisa atingir metas e aumentar o
percentual de alunos aprovados, e a maneira de “incentivar” os entes da
federação a alcançarem esses indicadores é enviar menos verbas, caso não se
atinja os índices necessários.
A mesma sistemática ocorre com a
evasão. Antigamente só permaneciam em sala de aula aqueles alunos comprometidos
como o trabalho escolar e com a disciplina; quem não queria nada com nada, e
que não tinha a cobrança enérgica dos pais, acabava desistindo; dessa maneira o
professor era valorizado, pois na aula dele não havia espaço para falta de
interesse ou indisciplina. Hoje o educador é praticamente obrigado a atender o
aluno desinteressado, o aluno indisciplinado, sendo às vezes preciso bajulá-los
para que os mesmos não evadam. Aí vem a tona novamente a interferência do
estado, que precisa a qualquer custo diminuir o índice de evasão, sendo que a
cada aluno evadido certa quantia de verbas não é repassada.
Diante desse quadro o professor
acabou por largar mão dos seus preceitos profissionais, éticos e morais, pois
percebeu que o poder público não está mais interessado na qualidade no que se
refere à educação, e sim a quantidade.
BAIXOS SALÁRIOS E
EDUCAÇÃO NÃO VISTA COMO PRIORIDADE
Uma das maiores
provas da desvalorização dos professores está materializada nos baixos salários.
Esta realidade demonstra que a educação no Brasil não é vista como prioridade,
e a consequência acaba sendo a baixa qualidade do ensino, pois os melhores
profissionais, aqueles mais bem qualificados, preferem não ficar na educação
básica, por exemplo, onde estão as menores remunerações e as principais
necessidades.
A INVERSÃO DE VALORES
A educação que antes
vinha de casa (boas maneiras, hábitos de higiene) começou a ser transferida
para as escolas, e o professor, sem outra alternativa, passou a suplementar o
papel da família, e hoje em muitos casos se tornou um mero cuidador, onde a
função de ensinar acabou por ficar em segundo plano.
Observamos várias
vezes na internet ou em revistas
imagens que mostram a inversão de valores envolvendo o professor: na imagem de
antigamente o professor está acima na “hierarquia”, relata aos pais sobre as
dificuldades ou indisciplina do aluno, os quais olham para o filho com ar de cobrança
e apoiam o educador; já na imagem de hoje o professor é o último da
“hierarquia”, recebe bronca dos pais que só dão apoio ao filho, sendo que este
ainda demonstra ar de deboche para com seu mestre. Essa lamentável conjuntura
expõe a total falta de valorização para com o professor, que passou a não ter
apoio nem dos pais dos estudantes e, em alguns casos, nem de certos seguimentos
da sociedade.
O FIM DA DISCIPLINA
NO AMBIENTE ESCOLAR
Por fim, após tantas perdas de
espaço e de tantas desvalorizações, o professor passou a conviver, de maneira
geral, em um ambiente sem nenhuma disciplina, onde o que prevalece são as vontades
dos alunos, dos pais, do estado e, só por último, as dos educadores. Sem
disciplina, sem regras, sem limites, não há educação que consiga realmente
transformar a realidade. Que valor terá o professor se não for respeitado? O
aluno pode sim ser o centro da aprendizagem, o que não pode é o aluno ser o
centro do planejamento e da disciplina em sala de aula.
E AGORA, O QUE FAZER?
Certamente as reflexões acima
provocarão discordâncias (seja pela forma de pensar, seja por realidades
distintas), mas o fato é que a desvalorização do professor indubitavelmente
passa pela maioria dos estágios mencionados.
Ao ver manifestantes nas ruas com
cartazes pedindo a volta da ditadura militar, um salto de preocupação me
aflige, pois, definitivamente, este não é o caminho. O rumo certo é a busca por
um meio-termo, ou seja, liberdade com limites. Penso que a família, nessa
conjuntura toda, é a primeira instituição a ser resgatada.
O professor e a escola como um todo
fazem parte desse contexto, sendo que a valorização dessas instituições decorre
da retomada de limites e de valores primordiais, pois não é normal um educador
ser agredido pelo aluno ou pelos pais dos alunos; não é normal um educador ser
intimidado e ter seu carro riscado por um estudante contrariado, por exemplo, e
tudo ficar por isso mesmo.
De imediato, o que o educador deve
fazer é não se conformar com essa realidade; não deve acreditar que precisa,
obrigatoriamente, suportar o aluno indisciplinado, suportar as pressões do
estado por índices quantitativos e não qualitativos, suportar agressões e
humilhações, suportar a falta de condições de trabalho e a baixa remuneração. Em curto prazo seria necessária a criação de
um código a nível nacional, constando, além dos deveres, todos os direitos dos
professores, visando com isso resgatar a valorização da categoria.
Vamos seguir na luta
para que o professor seja realmente valorizado!
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