sábado, 22 de agosto de 2015

A DESVALORIZAÇÃO DO PROFESSOR: O QUÊ DE ERRADO ACONTECEU?

Fonte: Google Imagens
Seguidamente vemos nos noticiários manchetes sobre violência contra professores ou sobre greves do magistério por melhores salários e condições de trabalho. Frente a essa realidade não há como negar que a profissão de professor enfrenta gigantesca desvalorização.
            Mas como chegamos a esse ponto?
        Para tentar entender esse processo foram elencados alguns tópicos que relatam de forma sistemática fatores e apontamentos que sem dúvida contribuíram significativamente para que esse preocupante quadro chegasse aonde chegou.


PERÍODO PÓS-DITADURA MILITAR

            Com o fim da ditadura militar no Brasil (1985) uma série de transformações ocorreu. O povo, que há décadas sonhava com o término da censura e da repreensão, agora queria “ser livre".
            A partir daí a tão sonhada liberdade já começava a extrapolar na sociedade como um todo, pois antes se podia quase nada, e agora se podia quase tudo; leis e leis foram construídas tratando apenas de direitos. Aqui cabe ressaltar que isso, na verdade, foi e é uma conquista incontestável da sociedade brasileira, pois só quem viveu a ditadura sabe o quão difícil era não poder expressar ideias e opiniões, entre outras tantas restrições impostas pelo regime militar. Porém, o fato é que já naquele momento começávamos a perder o controle da doce democracia, pois, ao invés de termos liberdade com ordem, passamos a ter liberdade com desordem (aumento da corrupção, do desrespeito as instituições sociais – deteriorização da família, da banalização da criminalidade). Uma frase bastante utilizada na época dizia: “liberdade sem limites”.
Nas escolas, até então, imperava o modelo tradicional, bastante técnico e ainda rígido. Com esse novo contexto sociopolítico, a figura de respeito do professor passou a perder espaço, pois a liberdade sem limites ganhou tamanha proporção (distorção) que já não era mais o mestre que detinha o domínio das ações em sala de aula, e sim o estudante. Vários filmes, caricaturas e novelas passaram a mostrar cenas onde o professor era visto ou como figura que dava medo, ou como figura de deboche, muitas vezes humilhado pelos alunos, onde a ideia central era fazer com que o estudante “desse uma lição” naquele ser tenebroso ou medíocre, e saísse como mocinho, heroi da história.
A liberdade de expressão e a pedagogia da autonomia eram importantes realidades que começavam a surgir com destaque, no entanto, o medo de impor regras e restrições por alusão ao período ditatorial fez com que a indisciplina escolar aumentasse de forma bastante significativa.


LEIS QUE ABRANGEM SOMENTE DIREITOS E QUE IGNORAM DEVERES

            No início da década de 1990 o Brasil passou a contar com uma lei excepcional no que se refere aos direitos das crianças e dos adolescentes (ECA). Poucos países no mundo possuem, até hoje, uma lei tão protetiva e respeitada quanto essa. Contudo, um detalhe nesta lei chama muito a atenção: onde estão os deveres das crianças e dos adolescentes? Esse fato desencadeou uma série de consequências negativas, tanto para a sociedade quanto para os próprios jovens.
            As instituições escolares, diante dessa nova legislação, precisaram rever seus regimentos e praticamente excluíram os dispositivos que tratavam de advertências, suspensões e punições aos alunos. O professor, e a escola como um todo, passaram a ser praticamente obrigados a atender qualquer estudante, independentemente se houvesse cometido alguma infração – grave ou não. Nesta etapa o docente acabou perdendo mais uma vez seu espaço de respeito que outrora era inabalado, pois ficou contra a parede por uma legislação que só deu direitos aos estudantes; se um estudante ofender o professor, ou mesmo agredi-lo, praticamente não acontece nada; outrem, uma palavra mais ríspida do educador ou mesmo uma ordem dada pode motivar sérios transtornos ao mesmo. Os pais também foram atingidos com a nova realidade e muitos se depararam com situações conflitantes, como por exemplo, a polêmica da palmada.


AS CONDIÇÕES DO ESTADO OBRIGARAM OS PROFESSORES A PÔR DE LADO SEUS PRECEITOS

            Os indicadores escolares passaram a valer dinheiro. Aluno reprovado ou evadido é sinônimo de perda de repasse de recursos. Mais uma vez o professor perdeu credibilidade, pois antigamente o aluno tinha duas alternativas: ou estudava ou era reprovado. Professor exigente era sinônimo de respeito. Hoje existe pressão sobre o professor que reprova, mesmo que o aluno não tenha atingido os objetivos propostos; essa pressão se deve ao fato de que o estado brasileiro precisa atingir metas e aumentar o percentual de alunos aprovados, e a maneira de “incentivar” os entes da federação a alcançarem esses indicadores é enviar menos verbas, caso não se atinja os índices necessários.
            A mesma sistemática ocorre com a evasão. Antigamente só permaneciam em sala de aula aqueles alunos comprometidos como o trabalho escolar e com a disciplina; quem não queria nada com nada, e que não tinha a cobrança enérgica dos pais, acabava desistindo; dessa maneira o professor era valorizado, pois na aula dele não havia espaço para falta de interesse ou indisciplina. Hoje o educador é praticamente obrigado a atender o aluno desinteressado, o aluno indisciplinado, sendo às vezes preciso bajulá-los para que os mesmos não evadam. Aí vem a tona novamente a interferência do estado, que precisa a qualquer custo diminuir o índice de evasão, sendo que a cada aluno evadido certa quantia de verbas não é repassada.
            Diante desse quadro o professor acabou por largar mão dos seus preceitos profissionais, éticos e morais, pois percebeu que o poder público não está mais interessado na qualidade no que se refere à educação, e sim a quantidade.


BAIXOS SALÁRIOS E EDUCAÇÃO NÃO VISTA COMO PRIORIDADE

Uma das maiores provas da desvalorização dos professores está materializada nos baixos salários. Esta realidade demonstra que a educação no Brasil não é vista como prioridade, e a consequência acaba sendo a baixa qualidade do ensino, pois os melhores profissionais, aqueles mais bem qualificados, preferem não ficar na educação básica, por exemplo, onde estão as menores remunerações e as principais necessidades.


A INVERSÃO DE VALORES

A educação que antes vinha de casa (boas maneiras, hábitos de higiene) começou a ser transferida para as escolas, e o professor, sem outra alternativa, passou a suplementar o papel da família, e hoje em muitos casos se tornou um mero cuidador, onde a função de ensinar acabou por ficar em segundo plano.
Observamos várias vezes na internet ou em revistas imagens que mostram a inversão de valores envolvendo o professor: na imagem de antigamente o professor está acima na “hierarquia”, relata aos pais sobre as dificuldades ou indisciplina do aluno, os quais olham para o filho com ar de cobrança e apoiam o educador; já na imagem de hoje o professor é o último da “hierarquia”, recebe bronca dos pais que só dão apoio ao filho, sendo que este ainda demonstra ar de deboche para com seu mestre. Essa lamentável conjuntura expõe a total falta de valorização para com o professor, que passou a não ter apoio nem dos pais dos estudantes e, em alguns casos, nem de certos seguimentos da sociedade.


O FIM DA DISCIPLINA NO AMBIENTE ESCOLAR

            Por fim, após tantas perdas de espaço e de tantas desvalorizações, o professor passou a conviver, de maneira geral, em um ambiente sem nenhuma disciplina, onde o que prevalece são as vontades dos alunos, dos pais, do estado e, só por último, as dos educadores. Sem disciplina, sem regras, sem limites, não há educação que consiga realmente transformar a realidade. Que valor terá o professor se não for respeitado? O aluno pode sim ser o centro da aprendizagem, o que não pode é o aluno ser o centro do planejamento e da disciplina em sala de aula.


E AGORA, O QUE FAZER?

            Certamente as reflexões acima provocarão discordâncias (seja pela forma de pensar, seja por realidades distintas), mas o fato é que a desvalorização do professor indubitavelmente passa pela maioria dos estágios mencionados.
            Ao ver manifestantes nas ruas com cartazes pedindo a volta da ditadura militar, um salto de preocupação me aflige, pois, definitivamente, este não é o caminho. O rumo certo é a busca por um meio-termo, ou seja, liberdade com limites. Penso que a família, nessa conjuntura toda, é a primeira instituição a ser resgatada.
            O professor e a escola como um todo fazem parte desse contexto, sendo que a valorização dessas instituições decorre da retomada de limites e de valores primordiais, pois não é normal um educador ser agredido pelo aluno ou pelos pais dos alunos; não é normal um educador ser intimidado e ter seu carro riscado por um estudante contrariado, por exemplo, e tudo ficar por isso mesmo.
            De imediato, o que o educador deve fazer é não se conformar com essa realidade; não deve acreditar que precisa, obrigatoriamente, suportar o aluno indisciplinado, suportar as pressões do estado por índices quantitativos e não qualitativos, suportar agressões e humilhações, suportar a falta de condições de trabalho e a baixa remuneração.  Em curto prazo seria necessária a criação de um código a nível nacional, constando, além dos deveres, todos os direitos dos professores, visando com isso resgatar a valorização da categoria.


Vamos seguir na luta para que o professor seja realmente valorizado!

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